O ponto certo
Há sempre as receitas que acompanham cada família. Das mais requintadas às mais simples, quem não se lembra de um detalhe gastronómico que faz parte da memória familiar comum?
Uma doce lembrança, ainda hoje avivada em dias chuvosos e frios, é o fudge. A minha mãe sempre fez esta lambarice para mim e o meu irmão e já a minha avó fazia para ela e para os meus tios. O fudge é um doce simples de chocolate, açúcar, leite e manteiga que faz parte da minha família há muitos anos. Sempre quando o fazemos é motivo para nos lembrarmos de histórias e memórias que enchem os nossos corações, tal como o cheiro a chocolate enche a cozinha.
Imagino a minha mãe miúda, de olhos de azeitona preta sempre atentos, a correr para a cozinha depois da empregada Cissi chamar-lhe para raspar a panela. “Todas as empregadas lá de casa aprenderam a fazer este doce mas a Cissi conseguiu apanhar o ponto ideal”, conta a minha mãe, numa das muitas lembranças que surgem na conversa durante a confecção do doce.Ou da vez que o meu irmão, também ainda miúdo, também com olhos grandes de azeitona preta, esperou por um momento de distração da minha mãe e atirou para dentro da panela um bocado de chocolate em barra. Daquela vez, o fudge saiu mesmo mal, todo empolado. Anos mais tarde o meu irmão confessou o crime.
A receita é simples mas o mesmo não se pode dizer do ponto deste doce. Minutos a mais ao lume podem fazer a diferença no resultado final: de uma tablete fina e brilhante a uma cheia de relevos e bolhas. E, prova já dada pelo meu irmão, tentar acrescentar ingredientes também pode ser fatal.
Ao saborear este pedaço doce de memória, fico a pensar que vida também é simples, difícil é conseguir o ponto certo.