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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Chegar a casa

23.05.13 | Alice Barcellos

Esforçava-se por manter os olhos abertos, mas não estava a ser fácil. Tinha se entregado ao sono em mais uma interminável viagem de comboio. Com atrasos e cansaço é possível perder a noção do tempo. O balanço dos vagões nos trilhos, o barulho constante, o burburinho das outras pessoas na carruagem e a noite lá fora eram um convite para o sono. E ela não resistia, dormia como uma pedra naquelas viagens e até sonhava de vez em quando.

Depois de passar a penúltima estação antes da sua, começava a luta contra Morpheus para sair daquele mundo em suspenso, que nos tira a vida como ela é enquanto estamos de olhos fechados. Olhava pela janela, ora via as luzes das cidades e localidades por onde passava, ora via a escuridão da noite, salpicada de pontos amarelos, ora via a ela própria, olhos vermelhos contra o reflexo no vidro.

Quando estava quase a chegar na estação final, reconhecia todos os locais que lhe eram próximos, mesmo descoloridos pela noite. Sabia de cor aquele caminho. Gostava da sensação de chegar a casa, de chegar a sítios conhecidos, estações de comboio que sabe o nome e estradas por onde já conduziu. Gostava da reta final da viagem, quando a linha do comboio fica entre a terra e o mar. Olhava para o lado oposto e só via a escuridão marítima mas sabia a beleza daquelas praias em dias de sol.

É este reconhecimento do mundo como um lugar nosso que nos mantém acordados e apegados aos sítios e às pessoas. É saber que no fim do dia, da semana ou no fim de uma viagem chegamos a casa. Se não temos ninguém para nos receber, somos sempre recebidos pelas coisas, pelos nossos objetos preferidos, os nossos recantos, livros e plantas, pelas memórias que guardamos.

O produto final

10.05.13 | Alice Barcellos

Li na semana passada uma notícia que alertava para a falta de mão-de-obra especializada na confecção de pizzas em Itália. Já ninguém quer ser pizzeiro no país que inventou a tão apreciada refeição rápida. O mesmo artigo dizia que a pizza é cada vez mais procurada pelos italianos, por ser mais barata e prática. É uma refeição valorizada, mas quem a produz não. O emprego de pizzeiro é visto como menos digno e pouco qualificado.

Posto isto, eu que adoro uma boa pizza, refleti no assunto com mais seriedade do que as pessoas para quem esta comida não aquece nem arrefece. E fiz a ponte quase direta com a minha área de trabalho, a comunicação, uma área bastante extensa e vasta, quase como as opções que temos quando vamos a uma (boa) pizzaria.

De uns tempos para cá, toda a empresa quer ter um site, quer estar no Facebook, quer ter apresentações interativas, campanhas em vídeo, organizar workshops ou formações. Em suma, a comunicação é cada vez mais valorizada. O mesmo não se pode dizer do profissional, de quem está por trás destes processos.

É triste mas é verdade. E, infelizmente, ouço testemunhos na primeira pessoa de amigos que vão a entrevistas de emprego, recebem propostas inaceitáveis e ainda ouvem “bocas” do género: “um workshop organiza-se em 20 minutos”, “qualquer um pode escrever um press release” ou “trabalhar das 9h às 20h é a única forma de ver se aguentas a pressão”.

O resultado são profissionais desvalorizados e produtos finais que pecam na qualidade. São os tais press releases que toda a gente sabe fazer mas onde não se percebe nada, são os flyers, logótipos ou sites que constituem uma aberração para qualquer designer, são os vídeos sem início, meio e fim, são os workshops onde não se aprende nada. Poderia ter uma lista extensa de exemplos, mas acho que já consegui passar a mensagem.

É o mesmo que ir a um restaurante e pedir um pizza que vem com a massa sem sal e colada, com o molho de tomate de pacote, com o queijo errado e com ingredientes que não combinam. Podemos comer mas não vamos ficar satisfeitos. O mesmo tem acontecido com a comunicação. O público acaba por comer produtos e serviços de fraca qualidade porque as pessoas que lhes dão de comer pensam que qualquer um pode fazer aquele trabalho. Quando na realidade, seja para montar uma pizza ou escrever um texto, é preciso saber e não apenas dizer que qualquer um é capaz de o fazer.