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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Um selfie vale mais do que...

14.12.13 | Alice Barcellos

Quem nunca pegou numa máquina, apontou para a cara e tirou uma foto que atire a primeira pedra – ou o primeiro post... Pois é, tirar um auto-retrato é uma prática que existe desde que a fotografia se entende como tal. Hoje em dia, o reboliço é tanto à volta desta ação que ela já ganhou um novo nome, selfie, que, por sinal, foi eleita a palavra do ano.

Sempre gostei de auto-retratos. Pela relação de proximidade que eles possuem, pelo ato de fotografarmos a nós próprios, pelos brilhantes auto-retratos que me marcaram desde que comecei a gostar e apreciar fotografia. Mas aí vieram os selfies e retiraram este encanto. Em primeiro lugar, não gosto deste termo. Chateia-me o diminutivo. Em segundo lugar, o facto de já não ser algo minimamente pensado ou planeado. É apontar e tirar. É o selfie no espelho do elevador, o selfie na praia, o selfie na Torre Eiffel...

Se antes víamos o mundo através das nossas câmaras fotográficas, agora vemos o mundo através dos selfies, dos nossos e, principalmente, dos outros. De estrelas pop a ilustres desconhecidos, eles estão sempre lá. Nos nossos feeds, nas nossas notícias e nas nossas conversas. O pior é que gostamos disso. Gostamos de ver caras, de sentir este lado pessoal da fotografia. E este lado voyeurista também.

Andava para escrever sobre isso, quando o viral, mas já quase esquecido, selfie de Obama, Cameron e da primeira-ministra da Dinamarca roubou a cena do funeral de Mandela. Uma trivialidade, um momento de descontração eternizado numa fotografia, foi o suficiente para uma polémica instantânea no nosso mundo iconófilo. Mas se pararmos para refletir um pouco sobre esta imagem, chegamos à conclusão que, se calhar, não vale a pena refletir de todo. Foi uma imagem que se esgotou rápido, marcou um momento mas não um tempo. Se ainda afirmamos, perante certas fotografias, que uma imagem vale mais do que mil palavras, arrisco-me a dizer que um selfie vale menos do que mil pensamentos.

Nas mãos de Mandela

07.12.13 | Alice Barcellos

Foram mãos fortes, de dedos grossos, mãos expressivas, ora junto à face, ora a acenar, ora de punho cerrado, que tomaram de assalto as capas de jornais de todo o mundo nesta sexta-feira. Foram as mãos de Nelson Mandela, mãos de quem levou uma causa às costas como se fosse o mundo, agarrou nela ao colo como se fosse um filho. Mãos que fizeram história.

Por estes dias vamos também levantar as mãos para nos despedirmos de um grande líder, de um pensador exímio, que trazia com ele a luta de um tempo que já passou, mas que ainda nos ameaça em forma de preconceitos e de ideologias. Mais do que a luta pelo apartheid, Mandela é um símbolo da luta pela paz, pelo entendimento entre os povos e por um mundo mais justo.

E assim ficamos com as mãos em suspenso, a ver se nos cai do céu alguém com a mesma força e com o mesmo carácter, vivendo numa sociedade cada vez mais vazia de grandes líderes e cheia de pequenos chefes.


Nota sentimental sobre o Rio

01.12.13 | Alice Barcellos

O trânsito é intenso, às vezes obriga a paragens repentinas, outras anda devagar. Da janela do autocarro, vejo a cidade que nunca aparece nos cartões postais, nem nas novelas. As buzinas incessantes das centenas de motos que serpenteiam freneticamente entre os veículos não me deixam pensar em muito mais. Avenida Brasil, Linha Vermelha ou Linha Amarela, tanto faz, este é o Rio de Janeiro de todos os dias, porta de entrada e saída da cidade maravilhosa, que espanta pela beleza e pelo horror.

Todos os anos é a mesma coisa. Fico sempre impressionada com o Rio. O verde incontrolável da cidade, o recorte das montanhas que encaixa perfeitamente no azul do mar. O charme dos bairros da zona sul, o estilo despojado dos cariocas, a animação das ruas e a diversidade de corpos, cores e culturas. Tudo isso cabe aqui.

O outro lado da moeda mostra uma cidade violenta e tensa. Relatos de assaltos são frenquentes. Os arrastões parecem ter regressado com força às praias. Há lixo nas ruas, há toxicodependentes e sem-abrigo a vaguear ou a dormir em esquinas e praças. As favelas, que já fazem parte da paisagem, são cidades dentro da cidade, mas não deixam de ser um reflexo fiel da falta de organização e prioridades político-sociais que pautaram a gestão da cidade nos últimos tempos (desde quando?). O trânsito é frenético, agressivo, sem regras. Ultrapassa-se por todas as faixas, buzina-se por tudo e por nada. Há sempre uma moto a tentar passar. Os carros raramente param nas passadeiras, raramente cedem passagem a outros carros.

Se poderia viver no Rio? Pergunto-me sempre quando cá estou. Provavelmente, se tivesse um emprego que me permitisse adaptar ao estilo de vida da cidade, cada vez mais caro, principalmente, para quem quer viver na zona sul. A minha ligação familiar com o Rio não me deixa ficar durante muito tempo longe dele. Regresso sempre, com novas reflexões sobre esta metrópole tropical. E fica sempre muito por dizer e por fazer, no meio da rotina corrida dos meus entes queridos que abraçam todos os dias as virtudes e vicissitudes do Rio. Por isso, é sempre bom regressar.

Naquela noite quente de verão, ainda era primavera mas com termómetros acima dos 40 graus não dá para distinguir, voltávamos para casa de táxi e o trânsito fluía como um rio. Ruas e estradas vazias, as luzes dos prédios a refletir na praia e, depois, na Lagoa. O recorte escuro das montanhas sobre o céu carregado. O silêncio possível. Pensei que gostaria de estar a conduzir também nesta situação, com o rádio ligado, ouvindo e cantando Marisa, Caetano ou, quem sabe, Chico. Pensei que um pedacinho do Rio também é meu e que, apesar do meu olhar crítico sobre a cidade, vou amá-la sempre.