A criatividade e a inovação são fatores fundamentais para a evolução. Podemos ter todos os meios à nossa disposição, as mentes mais inteligentes - o que não quer dizer que sejam as mais brilhantes -, e dinheiro de sobra. Não chega. Se não tivermos criatividade e capacidade de marcar a diferença, não há ideia que avance ou que dê certo. Pensar fora da caixa é tão complicado mas parece tão simples.
Ainda estes dias, conversei com alguns colegas de profissão sobre isto. Que é mais fácil jogar pelo seguro do que tentar fazer algo diferente dos parâmetros que já conhecemos. É mais fácil fazer o correto e o que é bem aceite, do que correr riscos e inovar. Inventar, ousar, sair fora do casulo que construímos para nós próprios, revestido de receios e anseios.
Nem de propósito, li uma notícia sobre um estudo que tentava desvendar o segredo das grandes tecnológicas que hoje são líderes. Google, Apple, Facebook e Amazon dominam em vários setores, faturam milhões, têm os melhores profissionais, mas nunca descuraram da criatividade e da inovação.
De acordo com o estudo Gafanomics, estas empresas pensam diferente e conseguiram criar novas regras de mercado, o que representou um terramoto para as empresas tradicionais. Do lado do utilizador, as gigantes tecnológicas mudaram a forma como encaramos certos serviços e produtos. Conseguiram fazer com que estes fossem essenciais no nosso dia-a-dia, nem que para tal tivessem que abdicar de algum lucro. E pensando bem, é verdade. Quantos de nós já não "vivemos" sem o Gmail, iPhone ou Facebook?
Mas o que é essencial hoje pode deixar de o ser amanhã e, por isso mesmo, estas empresas sabem que para fazerem parte do futuro dos seus utilizados/clientes têm de continuar a marcar a diferença, a apostar na criatividade e na inovação. Não é fácil mas, quando temos exemplos assim, vemos que é possível. Talvez não fosse má ideia termos, de vez em quando, a ambição de um gigante (tecnológico). Ou pelo menos, a força para abrir as tampas da (nossa) caixa e começar a ver o mundo que existe fora dela.
Há quase sempre um velho que vagueia pelo nosso bairro. Pelo menos no meu há e já reparei o mesmo por outras vizinhanças. De barbas grisalhas carregadas, aspecto sujo, maltrapilho, o velho do meu bairro vive nos intervalos da visão. Aqueles que vislumbramos quando desviamos o olhar daquilo que consideramos ser importante. Quando, quase sem querer, olhamos, vemos, mas, rapidamente, viramos a cabeça para outro lado. Já vi o velho do meu bairro a andar por uma ou outra rua, a remexer nos contentores de lixo, já o vi, ao longe, na rua do meu prédio e, num dias destes, ao passar de carro, ia jurar que o tinha visto no telhado de uma casa abandonada.
Um louco, sem-abrigo, andarilho, não sei quem é o velho do meu bairro. E provavelmente nunca vou saber. É mais fácil mudar-me de casa e voltar a encontrar um “novo” velho em outro bairro. Porque histórias como esta, vazias de conteúdo e cheias de estereótipos, estão escondidas em cada canto da cidade. Talvez não estejam assim tão escondidas, talvez nós é que não queiramos vê-las. É uma realidade dura, difícil de encarar e para qual muitos não estão preparados para lidar.
Mas há quem as encare de frente e, melhor ainda, consiga mostrá-las de uma forma digna. Há quem pegue nos velhos dos nossos bairros e lhes dê cara, nome e uma oportunidade de contarem as suas histórias. É o que acontece num documentário e num ensaio fotográfico de jornalistas portugueses recentemente divulgados.
“2 metros quadrados”, documentário de Ana Luísa Oliveira e Rui Oliveira, centra-se nos sem-abrigo do Porto. Nas suas histórias, na dignidade possível com que tentam levar as suas vidas e na rede de apoio que existe para ajudar estas pessoas – muitas delas ficaram sem um teto não pelos motivos mais óbvios, mas sim por alguma infelicidade ou percalço da vida.
Já em “Roof”, o fotojornalista Mário Cruz encontrou casos de pessoas que vivem em locais abandonados de Lisboa, um teto que, mais do que abrigar, esconde uma pobreza que envergonha o país e passa ao lado de muita gente.
Num altura em que somos bombardeados com escândalos políticos e financeiros a um ritmo quase frenético, é necessário que projetos como estes tenham também a divulgação que merecem. Para que deixemos de pensar nestes assuntos só quando nos cruzamos com eles de forma fugidia. Para não desviarmos o olhar do velho do nosso bairro, nem das caixas de cartão ou trouxas de roupa cada vez mais comuns nos cantos e becos da cidade.