A vida como ela é
Foi numa viagem de avião que tive a oportunidade de ver Boyhood. Assim, naquelas horas de espera no céu, o filme pareceu-me uma boa companhia. E foi. Gostei muito do enredo, em que não se passando muitas coisas, passa-se tanto. Vidas que se desenrolam na rotina dos dias, meses e anos.
Há quem não tenha gostado do filme, tenha dito que a ideia até foi boa mas que a execução ficou a desejar. Que falta ali qualquer coisa, mais ação. De facto, durante o filme ficamos à espera de que algo mais trágico aconteça, uma morte ou um acidente. Fascina-nos este lado trágico da vida. Mas, e ainda bem, a vida como ela é não é um filme, não é feita de grandes tragédias ou de explosões de felicidade. Não todos os dias.
São pequenas conquistas, tristezas silenciosas, angustias apertadas, alegrias passageiras, invejas corriqueiras e sonhos ensolarados que fazem a vida como ela é. Os problemas dos outros são sempre relativos para cada um de nós. Os nossos problemas são, por outro lado, os piores do mundo. O mesmo acontece com a nossa família, amigos, trabalho ou hobbies. São tudo para nós e quase nada para os outros.
A nossa vida tem pouco interesse, a não ser que tenhamos uma grande tragédia, uma intriga “cabeluda” ou uma vitória estupenda para contar. Contudo, nestes intervalos, vamos costurando a colcha de retalhos da nossa existência, onde cada pedacinho é importante para as nossas memórias e para as diversas relações que estabelecemos.
Tenho o privilégio de participar num projeto fotográfico onde tentamos mostrar retalhos de vida de pessoas do Porto. Conversar alguns minutos com desconhecidos não é fácil e nem sempre conseguimos criar uma relação de empatia imediata. Por vezes, é mais fácil tirar uma boa fotografia do que conseguir uma boa história. Mas é sempre valioso ouvir o que ilustres desconhecidos têm para nos contar. É a vida como ela é, este desinteresse tão interessante.