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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Todo o jornalista tem um sonho

13.12.18 | Alice Barcellos

É difícil não ouvir da boca de um jornalista que, em algum momento da sua vida, teve um sonho. O sonho de mudar o mundo. Para melhor. 

Quando começamos a estudar, é esta a ideia que nos passam. Que os jornalistas têm este poder. Que podem fazer a diferença na sociedade, que têm o dever de mostrar os vários lados de uma história, os vários ângulos de um acontecimento, ajudando o público a construir uma narrativa, a perceber melhor o mundo, a pensar pela sua cabeça e, se for possível, a encontrar a verdade dos factos. Também nos dizem que tudo isso não é fácil, que existem muitas pressões e entraves, mas quando temos 20 anos não conseguimos perceber este lado, o mais difícil. Quando temos 20 anos nada é impossível. Preferimos pensar que podemos mudar o mundo.

E podemos. Qualquer um pode. "Seja a mudança que queres ver no mundo", disse Gandhi, numa das suas frases mais famosas. Podemos começar por mudar o nosso mundo através dos nossos atos, e, enquanto jornalistas, vamos construindo esta mudança a cada artigo publicado. E se com uma história contada, em qualquer meio, conseguimos fazer a diferença na vida das pessoas - poucas ou muitas - já estamos a mudar o mundo.

Sempre tive esta visão otimista da profissão de jornalista e do seu papel. Nunca entrei na corrente de que o jornalismo iria acabar - creio que nenhum jornalista tenha, de facto, acreditado nisso -, de que não iria ser mais necessário numa altura em que qualquer um pode expressar-se na internet. Cidadão-jornalista, foi como chamaram a este fenómeno há dez anos e acho que hoje em dia o termo já está obsoleto. 

Hoje, mais do que nunca, a sociedade precisa de quem verifique os factos, cruze opiniões e mostre todos os lados do prisma. Alguém que lute contra a instantaneidade, contra o ruído e contra o comportamento de manada, que tem levado muitas pessoas a deixarem de refletir sobre as suas escolhas e a escolherem o que lhes é imposto por "fake news", posts nas redes sociais e mensagens de Whatsapp. 

Hoje, mais do que nunca, as pessoas precisam de quem lhes mostre que regimes autoritários não são o caminho, que denuncie os abusos de poder, perseguições e retrocessos, em qualquer esfera, que lhes reavive a memória para que não mais se cometam erros do passado. 

São estes os guardiões da verdade eleitos como Personalidade do Ano de 2018 pela revista Time, que destaca o jornalista saudita assassinado por ir contra o regime do seu país, Jamal Khashoggi, e outros colegas de profissão que foram alvo de perseguições por irem atrás da verdade. 

"A atualidade está a chamar-nos a atenção para muitos jornalistas que têm uma coisa em comum: foram alvos pelo seu trabalho. Para eles, perseguir a verdade significa prisão e assédio. Em alguns casos, significou a morte", pode ser lido na revista.

É um combate cada vez mais acirrado que muitos jornalistas travam nos seus países para conseguirem divulgar a verdade. A Time chama-lhe a "Guerra da Verdade". Em 2017, 262 foram presos quando o tentavam fazer. 

A juntar à perseguição feita a estes profissionais por grupos políticos ou económicos, a desinformação moderna "não funciona como a propaganda tradicional". "Ela tenta deixar as águas turvas. Semear tanta confusão e desinformação que, quando as pessoas veem a verdade, têm dificuldade em reconhecê-la", escreveu David Patrikarakos, autor do livro "War in 140 Characters", citado no artigo da Time.

Esta distinção vem reforçar que precisamos, sim, de jornalismo e de jornalistas. Hoje mais do que nunca. De "gatekeeper" para "guardians", o conceito pode ter mudado ao longo dos tempos, mas a ideia será sempre a mesma: garantir a existência do jornalismo livre é também garantir a democracia e a liberdade de expressão.

Precisamos, sim, nem que seja para continuarmos a ter a liberdade de sonhar em mudar o mundo para melhor. "Com muitas e pequenas luzes podemos iluminar uma nação inteira", declarou à revista a jornalista venezuelana e cofundadora do site de jornalismo livre Efecto Cocuyo, Luz Mely Reyes.

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Aqui encontram o artigo completo da Time. Vale a pena ler, ver e ouvir.

 

O adeus a um dos símbolos de Amesterdão. Faz sentido?

06.12.18 | Alice Barcellos

Foram removidas, esta semana, as letras vermelhas e brancas que se tornaram, ao longo da última década e meia, uma das atrações mais famosas de Amesterdão.

As letras que, em conjunto, formavam o slogan I Amsterdam já não fazem mais parte do enquadramento das fotos dos milhares de turistas que, todos os dias, se juntam na praça dos museus (Museumplein), um ponto de convergência da capital holandesa que liga os principais museus da cidade.

Prova de uma bem sucedida campanha de marketing de 2004, as letras eram uma das atrações mais famosas e acarinhadas da cidade. Mais do que as bicicletas, os canais, as casinhas apertadas e compridas, o mercado de flores ou os museus, ir a Amesterdão e não tirar uma foto junto à placa, era como ir a Roma e não ver o Papa.

Ao longo dos últimos anos, a imagem da cidade ficou intrinsecamente ligada a estas letras que poderiam até nem ter feito sucesso quando foram ali colocadas. Mas fizeram. E, provavelmente, um dos motivos que a isso levou é o facto de ser uma instalação que apela à forte interação com as pessoas. Também gostamos de descobrir os lugares com as mãos: tocar, escalar, brincar – algo que milhares de pessoas faziam todos os dias ali. Os mais afoitos escalavam até ao topo do “i”, outros limitavam-se a encostar-se ou sentar-se nas curvas das letras.

Apesar de continuar a ser um slogan da cidade, quem agora for a Amesterdão já não vai poder tirar a “foto de turista”, pelo menos, ali naquele local. As letras vão circular pela área metropolitana da capital dos Países Baixos, de acordo com informações do site do gabinete de turismo. Para os mais distraídos (como eu), saibam que existe uma outra placa I Amsterdam no Aeroporto de Schiphol – algo que muitos turistas não devem conseguir ver porque optam por chegar à Holanda através de outros aeroportos.

Não deixa de ser paradoxal que são os turistas, aqueles que mais adoravam as letras, os principais responsáveis pela remoção das mesmas. De acordo com o partido que apresentou a proposta para a retirada da placa, o GroenLinks, as letras transformaram-se num símbolo do turismo de massas em Amesterdão, representando um individualismo que deve ser combatido. Já no site oficial do turismo da cidade, a justificativa é que as letras atraíam muitas pessoas a um sítio com espaço limitado.

Com ou sem I Amsterdam, creio que os milhares de turistas que visitam diariamente a cidade vão continuar a convergir à Museumplein por ser um ponto de paragem e descanso óbvio, tal como o fazem na praça Dam. As letras davam um dinamismo diferente ao espaço, é verdade, mas não será pela ausência das mesmas que o número de pessoas que por ali passa vai diminuir.

Amesterdão é uma das capitais europeias que luta contra o excesso de turistas, já tendo tomado várias medidas para tentar equilibrar a balança do turismo com a qualidade de vida dos habitantes locais. Não é uma tarefa simples, bem sabemos, e requer uma estratégia mais complexa do que a fácil remoção de um dos símbolos mais adorados da cidade.

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P.S: Estive em Amesterdão pela segunda vez no mês passado e acabei na Museumplein ao fim da tarde a tirar selfies em frente à placa com o meu irmão, que visitava a cidade pela primeira vez. Não conseguíamos encontrar um espacinho livre de cabeças no meio das muitas outras pessoas que ali estavam, mas o ambiente era bom. De calor humano a contrastar com a tarde fria de Amesterdão, com uma luz bonita entre o sol a descer de um lado e o céu carregado de outro. É uma imagem singela, mas é a imagem que vou guardar deste lugar - pelo menos até ter a hipótese de regressar à cidade e criar novas memórias.