Há imagens das quais nunca nos vamos esquecer. A de Machu Picchu é uma delas. É quase surreal ver as ruínas da cidadela inca que repousam em total harmonia com a paisagem envolvente. E é também a paisagem envolvente que cria a beleza mágica da imagem final que guardamos para sempre: o recorte das montanhas verdes, a densa selva, o rio a correr mesmo lá em baixo, a neblina que dança entre tudo isso e aquela construção intrigante. Tão perfeitamente encaixada ali, como se estivesse ali desde sempre. Como se as montanhas tivessem sido colocadas depois.
“Alguém vai acreditar no que descobri?”. A citação de Hiran Bingham, explorador norte-americano que encontrou Machu Picchu em 1911, seguindo as pistas que apontavam para a cidade perdida dos incas, continua a fazer sentido. Cada vez que um novo visitante (e são muitos, todos os dias) põe os olhos no lugar, é como se acontecesse uma nova descoberta de um segredo que durante séculos esteve escondido entre as montanhas.
Mesmo que já tenhamos visto centenas de imagens de Machu Picchu na internet, em revistas ou em filmes, quando presenciamos o lugar ao vivo e a cores o impacto é enorme. Vai ser a imagem do dia em que estivemos lá que se vai sobressair às muitas outras que já visualizamos. E, quando voltamos a ver uma imagem à distância, vamos sempre pensar no dia em que estivemos lá e que tivemos o privilégio de conhecer uma das sete maravilhas do mundo moderno.
A viagem até lá
Há muitas formas de chegar a Machu Picchu, o lugar mais turístico do Peru. Por isso mesmo, é necessário planear as coisas com alguma antecedência e preparar-se para gastar algum dinheiro nesta parte da viagem. Hoje em dia, é possível comprar tudo online, tanto os bilhetes de comboio, como os ingressos de acesso. Assim, para quem já está habituado a planear viagens de forma independente, é até bastante simples organizar esta parte.
Depois de chegar em Cusco numa sexta-feira (a santa!), no sábado seria a altura de dizer “aleluia” em Machu Picchu. Por ter os preços mais baratos, compramos a viagem pela Inca Rail. Só existem duas empresas a fazer estas viagens entre Cusco e Aguas Calientes, a Inca Rail e a Peru Rail, por isso, o melhor é escolher quem fizer o preço mais baixo.
A primeira parte da viagem foi de autocarro até Ollantaytambo. Depois de deixar o bonito centro histórico de Cusco às 9h, vamos a balançar entre as ruas sinuosas e íngremes dos subúrbios pobres e desordenados da cidade. O dia começava cinzento e a qualquer momento poderia chover. Cerca de 1h30 depois, chegávamos a Ollantaytambo, que teríamos hipótese de conhecer melhor no dia seguinte, mas neste dia, ao chegar, fomos logo encaminhadas para uma sala de espera ao lado da estação de comboio.
Na sala de espera, muitos turistas aguardam com um nervoso silencioso a hora do comboio. Tentamos ligar-nos ao Wi-Fi. Há uma azáfama ordenada. Um músico peruano toca sons tradicionais – como haveríamos de comprovar, a música peruana é uma constante em quase todos os lugares turísticos.
Passados alguns minutos, já somos chamadas para o embarque. É de realçar a organização das instituições peruanas nestas etapas da viagem até Machu Picchu. São centenas de turistas que todos os dias fazem estes percursos e os peruanos, simpáticos por natureza, têm ali uma máquina bem oleada, o que não deixa de ser uma mais-valia para a experiência global da viagem.
Dentro do comboio, com grandes janelas, a viagem começa e, tal como um presente com um embrulho bonito, vamos desembrulhando com os olhos vistas espetaculares. Sempre com o rio Urubamba – sagrado para os incas – ao nosso lado, vamos cruzando campos cultivados, muito milho, terraços agrícolas, casas isoladas, alguns agricultores que passam a pé. Até que chegamos a uma parte da viagem em que não vemos mais nada a não ser a natureza pura e dura. A vegetação vai mudando e quando estamos prestes a chegar a Aguas Calientes, a última paragem antes de Machu Picchu, é o verde denso da selva que nos entra pelas janelas do comboio.
Quando desembarcamos, o som da força das águas do Urubamba prende-nos a atenção. Aguas Calientes é paragem obrigatória para quem segue para Machu Picchu. Há quem opte por pernoitar na pequena cidade para seguir nas primeiras horas do dia para Machu Picchu. No nosso caso, como compramos o ingresso para às 14h, só passamos mesmo por Aguas Calientes para apanhar o autocarro que sobe até a entrada do sítio arqueológico.
Tal como já disse, há muitas formas de chegar a Machu Picchu. A partir de Aguas Calientes, há quem faça a trilha a pé até a entrada da cidadela. São cerca de duas horas de caminhada, sempre a subir por uma estrada de terra. Para quem está a fazer a viagem de um dia, como foi o nosso caso, o melhor é comprar o bilhete de autocarro que faz o percurso em menos de 30 minutos.
Em Cusco, a viajar pelos caminhos dos incas e do Vale Sagrado, convém levar sempre em conta a altitude que pode ter mais ou menos efeitos, mas sempre provoca algum cansaço fora do comum durante caminhadas e subidas. Assim, deixo um conselho de amiga: vá com calma, poupe energia até chegar lá porque vai precisar dela para explorar Machu Picchu da melhor forma.
Da chuva ao sol: ter paciência é uma virtude em viagem
Quando finalmente passamos a entrada para o Parque Arqueológico de Machu Picchu, começa a chover. Pausa para apertar os casacos (não compramos as capas de chuva de plástico que já estavam a ser vendidas cá fora) e para pensar na melhor estratégia. Após uma breve subida, a driblar os muitos grupos de turistas que subiam também, temos um primeiro vislumbre da cidadela inca. A chuva começa a apertar mas não nos impede de querer ver mais e mais.
Quando se inicia o percurso por Machu Picchu, os visitantes passam logo por dois miradouros que já apresentam vistas espetaculares. Mas o melhor ainda estava por vir. E, novamente, é preciso ter calma, aproveitar cada momento, com paciência, uma vez que é quase impossível não termos pessoas à nossa volta que também querem, cada um da sua maneira, experienciar este lugar tão único.
A chuva apertou e nós decidimos aguardar um pouco, abrigadas por umas árvores que nos impediram de apanhar uma real molha. Foi uma decisão sábia. Durante meia hora, enquanto comíamos umas bolachas e víamos a chuva a cair nas montanhas, vimos também muitos grupos de turistas que, com capas de chuva coloridas, calcorreavam a subida, com muitos escorregões pelo meio, para continuar o passeio. Famílias com crianças, jovens, idosos, grupos de adolescentes, várias nacionalidades – há de tudo.
Ora, nós tínhamos até às 18h para estar ali e não tínhamos comprado visita guiada – o que pode ser uma grande vantagem para quem quer explorar ao seu tempo. As visitas guiadas são feitas num ritmo mais apressado, duram cerca de duas horas, e como há um percurso definido, quando a visita acaba, caso se queira continuar a explorar por sua conta, tem de voltar atrás, o que nem sempre é fácil e permitido. Claro que durante a visita guiada ficamos a aprender mais sobre o lugar, mas nada que uma boa pesquisa não compense. Além disso, o percurso está bem sinalizado, com placas a indicar os locais mais relevantes do sítio arqueológico. Por isso, se querem explorar ao vosso ritmo, dispensem a visita guiada e ainda poupam algum dinheiro.
E assim, em meia hora de espera, a chuva parou. As nuvens começaram a dissipar e a correr com mais velocidade entre as montanhas, a neblina começou a subir e os raios de sol foram surgindo entre pedaços de céu azul. Estava criado o cenário épico para que continuássemos a explorar os caminhos de Machu Picchu.
Pedra sobre pedra, percorremos as ruínas, sempre com expressões de deslumbramento e surpresa. Até ao pôr-do-sol que assistimos sentadas numa pedra com vista para a zona central da cidadela inca. Eu a comer uma barrinha de cereais que nos havia sido dada durante a viagem de comboio e que me soube pela vida.
No fim do percurso, já nos cruzamos com menos pessoas e houve mesmo alturas em que estivemos sozinhas a tentar fundir-nos, com muitas fotos pelo meio, naquela paisagem arrebatadora.
Um brinde com uma Cusqueña e uma deliciosa empanada
Na saída, como já era hora do fecho do parque, fomos deparadas com uma fila enorme de turistas que esperavam o autocarro para descer. Com o horário apertado para o comboio das 19h, valeu-nos, mais uma vez, a simpatia discreta de um dos funcionários que nos passou à frente e nos colocou num autocarro que já estava a sair.
Chegamos à estação de Aguas Calientes e ainda tivemos tempo de fazer um lanche, no café da estação, antes de entrar no comboio. Empanadas de frango e carne, acompanhadas pela cerveja Cusqueña. Foi a melhor forma de encerrar o capítulo Machu Picchu. De volta a Cuso, os vales que observáramos das janelas do comboio, foram substituídos pela noite cerrada, só iluminada quando a lua cheia espreitava entre as montanhas.
Se poderia ter sido mais perfeito do que foi? Não sei, só uma próxima viagem até lá poderá responder a esta questão. Se voltava a fazer tudo outra vez? Claro que sim. O magnetismo que sentimos neste lugar é tão forte que o cansaço das horas de viagem parece ser irrelevante e ficamos sempre com vontade de ver e sentir, mais uma vez, Machu Picchu.