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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Singularidades de um verão minhoto

21.09.19 | Alice Barcellos

"É urgente viver encantado. O encanto é a única cura possível para a inevitável tristeza", Valter Hugo Mãe, “Contos de Cães e Maus Lobos”

Chegamos a Ponte de Lima com um calor de quase 30 graus. O centro da vila fervilhava com a feira que acontece de 15 em 15 dias e com o movimento acima da média do mês de agosto. A vila mais antiga de Portugal recebeu-nos, como sempre, bonita. Aconchegante e imponente nos seus muitos séculos de história. Cheirava a pão fresco e as flores dos canteiros reluziam ao sol forte do meio-dia.

ponte_lima.jpgBastou a atravessar a ponte romana e mirar o rio Lima para fugir da confusão e ir à procura das sombras merecidas dadas pelas árvores que ladeiam esta margem do rio. O Parque do Arnado convida a um passeio prolongado para apreciar os diferentes jardins temáticos - foi o que fizemos. À saída, fomos petiscar no café junto ao rio e percorrer um pouco os passadiços que fazem parte da Ecovia do Lima. Estes passadiços são um refúgio verde e fresco que convidam a passeios ou ao descanso nas sombras que apresentam generosamente.

IMG_0753.jpegDepois dos olhos matarem as saudades de uma das vilas mais bonitas de Portugal, estava na hora de rumar para a nossa "casa" para os próximos dias. E quando cruzamos os portões seculares da Casa de Abbades foi mesmo este o sentimento que tivemos: chegar a casa, aquela casa antiga dos avós, onde somos sempre recebidos com um sorriso. Assim nos recebeu D. Madalena, que se dedica de coração a este projeto e isso é visto em cada detalhe.

quinta_abades.jpgpiscina.jpgO lugar, uma antiga quinta, existe desde o século XVII. Construções cheias de história, hoje convertidas num turismo rural de charme. Ali, é possível apreciar a natureza em passeios pela propriedade, que tem o seu próprio pomar, bosque e prado. A grande piscina, rodeada de flores coloridas, arrefeceu-nos o corpo naquela tarde de calor. 

No lusco-fusco do dia, vimos a ponte de Arcos de Valdevez criar um mundo invertido num reflexo perfeito no rio. À noite, a vila desabrochou em festa, em honra de Nossa Senhora da Lapa, celebrada com muitas danças e cantares tradicionais. Como é bonito ver que estas tradições se mantêm vivas aqui, com os mais jovens e mais velhos a desfilar, orgulhosos, nos seus trajes tradicionais. 

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Já na quinta, contemplamos as estrelas, enquanto balançávamos, às escuras, nos baloiços do prado, que servem perfeitamente para adultos também. E como é bom voltar a ser criança na sensação de sentir o vento no rosto e os pés fora do chão no vai e vem de um baloiço. Tantas estrelas no céu não faziam prever chuva no próximo dia, mas...

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O dia seguinte amanheceu cinzento, o que nos deu motivação para sair e não ficar a aproveitar a quinta. Sem um destino definido, fomos conduzindo por estradas em "s" até chegar a aldeia do Soajo e, no alto dos seus espigueiros de granito, espreitar as montanhas à volta. De lá até ao Poço Negro é uma caminhada agradável e a recompensa é uma lagoa de águas transparentes, alimentada por uma queda de água. Mergulhos dados, alma lavada, ficamos a apreciar a dança das libelinhas que pareciam curiosas com a nossa presença. Um momento especial e singelo de total comunhão com a natureza. 

poconegro.jpgsoajo.jpg

Antes de ir embora, ainda caminhamos pelas vielas da aldeia, até chegar ao centro. Não nos cruzamos com muitas pessoas e um grupo de cães preguiçosos encarregou-se de nos dizer "adeus". 

A última paragem do dia, já com o céu muito carregado, foi no castelo de Lindoso, onde de um lado podemos observar os espigueiros e, do outro, a barragem. 

Entre os pingos da chuva que caíam intermitentes, ainda conseguimos, no último dia de viagem, ir sentir o cheiro da terra molhada e ouvir o vento a passar entre as folhas dos choupos no bosque da Casa de Abbades. Os japoneses chamam a isso banho de floresta (shinrin-yoku) e foi o que fizemos por longos minutos. Em silêncio, aguçamos os ouvidos para escutar os sons do bosque e respiramos em paz, tentando não pensar em muito mais do que naquele momento.

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Minúsculas flores amarelas pontilhavam a paisagem e o tempo nublado ajudava a realçar o verde. Assim é o verão minhoto, sempre verde, nem sempre com sol, mas sempre convidativo à contemplação dos seus belos cenários bucólicos.

quinta.jpgDespedimo-nos do Minho com uma paragem, muito chuvosa, em Barcelos, onde compramos artesanto local para não esquecer esta escapadinha de mãe e filha. Ficou prometido que havíamos de voltar num dia de sol. É assim no Minho, despedimo-nos sempre com vontade de regressar.

***

Sobre a citação que escolhi para abrir este texto. Li este livro fantástico do Valter Hugo Mãe durante esta viagem e caiu como uma luva. A minha mãe tem esta capacidade de se encantar facilmente com as pequenas maravilhas do mundo que podem passar despercebidas quando não usamos estes óculos do encantamento. Viver encantado é meio caminho andado para ser feliz e ter uma existência mais leve.

Viajar em família é muito especial. É quando criamos memórias inesquecíveis com aqueles que mais amamos.