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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Fotografia. Once upon a time in New York City

10.06.20 | Alice Barcellos

Nova Iorque. A diversidade está em todo o lado e as pessoas são a face mais visível desta característica tão marcante da cidade. Os nova-iorquinos são arrojados, orgulhosos da sua "casa" e simpáticos com os forasteiros - o que é de louvar numa das metrópoles mais turísticas do mundo.

Foi em janeiro que estive lá, numa viagem mais do que perfeita. Entretanto, o mundo parou por causa do coronavírus e Nova Iorque transformou-se no epicentro da doença nos EUA. Foi triste ver a cidade tão diferente do que tinha visto há pouco tempo. Mas fui acompanhando como Nova Iorque se adaptou a este período, provando, mais uma vez, a sua capacidade resiliência e criatividade. Mais recentemente, a cidade também mostrou a sua força nas manifestações anti-racistas.

As memórias das viagens são intemporais. Sair do metro em plena Times Square, adaptar os olhos às luzes eletrizantes e ver o vapor a sair das condutas do subterrâneo - aquela imagem de marca que intriga a todos. Foi esta a minha primeira impressão da cidade, enquanto arrastava a minha mala em direção ao hotel. Estou num filme? Não, estou em NYC e, de repente, tudo ganha vida e não é como já vimos no cinema ou na TV - é muito melhor. No meio da praça mais movimentada da cidade, depois de reconfortar a barriga num delicioso jantar no italiano Carmine's, eis que encontro a serenidade num jogo de xadrez. Dois jogadores e um pequeno espectador atentos ao tabuleiro e desligados da ebulição permanente de Times Square.

Outro momento memorável desta viagem foi aquele domingo de sol em que descemos a Fifth Avenue, desde a rua 45 até Washington Square Park. De máquina fotográfica e iPhones na mão, parando em todo lugar que queríamos, sem pressa. Os nova-iorquinos foram brindados com um dia de primavera em pleno janeiro e não hesitaram em sair de casa e encher os parques. Apanhar sol, passear os cães, conviver, jogar basquete, distribuir abraços grátis - mas se quiseres tirar uma foto, tens de dar uma "ajuda".

Há muita vida a correr no meio dos arranha-céus de Manhattan. Há sempre mais um pormenor a descobrir, uma rua para explorar, um banco de um jardim para sentar. Um momento do quotidiano para saborear entre dois goles de café. Sempre com um sorriso.

Once upon a time in New York City...

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Chega de silêncio

07.06.20 | Alice Barcellos

Tome partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. Silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado. Elie Wiesel

Nestes dias tenho andado com um nó na garganta que me trava as palavras. Como (quase) sempre, tenho uma guerra de palavras interior. Vezes sem conta, penso: é agora, vou escrever. Mas não. Aparecem desculpas, ocupações, pretextos para deixar as palavras cá dentro mais um tempo. Se não escrevo, falo. Ouço. E leio. Vou conversando com as pessoas que me são próximas, ouvindo os seus pontos de vista; vou lendo opiniões de quem tem espaço para isso e, ainda bem, dentro da minha "bolha" são muitas as pessoas que honram este espaço e poucas as que o desonram.

A quarentena passou. Desconfinamos. Voltei a recuperar algumas das minhas rotinas antigas. Continuo muito caseira, afinal, nunca fui de grandes socializações. Vou com calma, nunca pensei em passar do 8 ao 80, embora seja esta ideia que ficamos com esta retoma à nova normalidade que, na verdade, é bastante parecida com a antiga normalidade - mas usa máscara... nem sempre bem colocada.

Entre as aprendizagens que retirei do período de confinamento, uma delas foi de que sou privilegiada. Em muitos aspetos da minha vida.

Quando começamos a desconfinar aqui em Portugal, acompanhei, com o coração apertado, a minha família e amigos no Brasil cada vez mais confinados, entre uma pandemia descontrolada e um governo fascista neoliberal, do pior que poderia ter calhado ao país, depois da ditadura militar. Não sabemos onde a situação vai parar, mas mando sempre um "cheirinho de alecrim" com muita esperança e amor para o outro lado do Atlântico. E guardo um cravo especial para a minha sobrinha Maria Luísa que, entretanto, chegou.

Quando começamos a desconfinar, o nome George Floyd fez-me ter mais medo do racismo e dos abusos de autoridade do que da pandemia. E, tal como já tinha escrito quando o coronavírus parecia ainda uma ameaça menor, reforçou a ideia de que há problemas muito mais difíceis de combater do que doenças contagiosas. Duram há séculos, foram já combatidos vezes sem conta e, neste momento, assistimos a mais uma vaga de luta.

Igualdade é o que se pede. Respeito aos direitos humanos é o que se exige. Não deveria ser assim ser tão difícil, mas é. É porque vivemos num sistema que se alimenta da desigualdade. Da pobreza de muitos em prol da riqueza de poucos. Cabe-nos a nós, a quem acredita na igualdade, não tolerar mais comportamentos que alimentam esta pirâmide.

Optei por tomar partido e não me calar perante insultos que são tomados como opiniões ou, até, ditos como piadas aceitáveis. Atos condenáveis que só incitam os tais vírus que acabam em "ismos" e, tal como o bolor no canto das casas velhas, teimam em aparecer e alastrar sem que se dê conta. Tal como o bolor, vamos olhando para o lado, dizemos que não tem mal e que depois se arranja uma solução. Ninguém se quer chatear muito com isso. Mas, não. Não podemos passar a vida a olhar para o lado.

Reconheço os meus privilégios e escolho não me calar. Nem sempre precisamos bradar aos quatro ventos as nossas opiniões, é mais eficaz mostrá-las em ações do dia a dia. Mas, em certas alturas, como a que vivemos agora, o silêncio encoraja o opressor. Numa sociedade desigual, precisamos exigir igualdade.

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Charlotte. Créditos: Clay Banks/Unsplash

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Los Angeles. Créditos: Mike Von/Unsplash

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Chicago. Créditos: Max Bender/Unsplash

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Minneapolis. Créditos: Josh Hild/Unsplash

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Roterdão. Créditos: Dyana Wing So/Unsplash