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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

O sumiço

18.11.20 | Alice Barcellos

Sumiu! Uns dizem que fugiu. Outros dizem que pulou de um precipício. Todos querem descobrir onde esteve, com quem privou, o que disse.

O D ofereceu-se como detetive, o C chorou, o R riu e o Z... zzzzzzz.

Dizem que cultivou inimigos por ser pioneiro, fez fretes e ficou sem emprego. Perdeu o privilégio, teve o orgulho ferido.

O M disse que foi excesso de mimo, o I considerou incrível, o H disse que terminou num hospício, o F ficou em silêncio e o K... kkkkkkk.

O B chegou, presunçoso, e quis ser o primeiro. Quis ser o chefe e propôs que o grupo fosse descrito como Belfebeto. O W desconfiou.

“O que o grupo quer é um líder!”, disse o L. “Concordo”, disse o N. “Temos de ser criteriosos”, sublinhou o T.

O R preferiu que fosse ele o rei. O E elogiou-o. O G gostou do gesto. O I disse: impossível! O J revirou os olhos e o X ficou em xeque.

O O, que sempre foi bom de ouvir, disse: "esperemos por ele". O grupo consentiu.

“Ele deve volver”, disse o V. “Ele é único”, exprimiu o U. “Sem ele somos ninguém”, reconheceu o Q. O Y corou.

Minutos depois, o S revelou o segredo: ele fugiu deste texto, precisou de um tempo. No próximo, promete o regresso.

O grupo respirou fundo e seguiu em frente.

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Imagem: Kristian Strand / Unsplash

Desafio da Abelha: Escrever um texto sem a letra A. Vejam aqui mais desafios de escrita da Abelha.

Pequeno poema de amor-próprio

11.11.20 | Alice Barcellos

Olha, olha bem para ti, sem vergonha, sem medo

Quantas vezes já pensaste que não eras suficiente?

Quantas vezes desististe cedo, cedo demais?

Olha para ti e encontra unicidade em cada traço do teu rosto

Capacita-te de que és perfeito em todas as curvas e arestas

Não tenhas medo de mergulhar de cabeça no que és

Vais ficar surpreendido com a riqueza que se esconde nas frestas

Que não queres mostrar, que a sociedade não te deixa mostrar

Desde sempre que nos tentam encaixar em padrões

Desde sempre que nos querem moldar à imagem de outros

Para que aos outros agrademos em diversas situações

Mas esquece o outro e olha só para ti

Aprende a amar-te, mas amor verdadeiro

Aquele que para ser inteiro tem de passar pela aceitação

E pela compreensão de quem realmente és

Não é um caminho fácil, pois ninguém te vai ensinar

Há pessoas que passam uma vida inteira sem (se) amar

Sem perceber que o amor-próprio é porta de entrada

Para a confiança, o equilíbrio e o espanto

Quando atingimos este amor sem data para acabar

Tudo na vida passa a ter mais encanto

wyron-a-n2PMAQxi-GM-unsplash.jpgImagem: Wyron A / Unsplash

Desafio de escrita Passa-palavra da Mel e da Mula. Palavra da semana: amor.

A história de uma onda

07.11.20 | Alice Barcellos

Nasci numa imensidão azul sem terra que pudesse ser vista. Mas o vento, meu pai, empurrou-me na direção certa. Sabia que este dia iria chegar, o dia em que sairia do âmago da minha mãe, o oceano, e iria cumprir a minha missão.

Quando nasci era pequena, ainda não me destacava muito na superfície, fui crescendo e ganhando volume. Sentia a energia cada vez mais forte enquanto me aproximava da costa. Então era isso que me esperava, a linha do horizonte deixou de ser reta e passou a ser pontilhada de várias cores e formatos. Ao longe, os contornos do areal, do esporão, do farol e da cidade estavam ainda difusos, mas sabia, por estar a vê-los, que seguia na direção certa.

De repente, sinto algo rápido a trespassar por mim. Um golfinho aproveitava a minha energia para apanhar boleia, afastando-se com a minha aproximação cada vez mais iminente da praia.

Estava maior e mais forte. Tinha uma crista verde-esmeralda de onde o vento roubava pequenas gotas de água no ponto mais alto, criando pequenos arco-íris que reluziam aos raios de sol daquela manhã gloriosa de verão.

Quase a atingir o meu apogeu, sinto algo estranho a descer por mim. Foi tudo muito rápido, mas foi perfeito. A rapariga numa prancha tirou o máximo partido da minha estrutura. Seguiu para a direita, frente à frente comigo. Com a ponta dos dedos deixou um rasto desenhado na minha parede. Desceu, subiu, voltou para buscar um novo impulso na espuma que já se começava a formar numa das minhas extremidades.

Estava a chegar o momento. Sentia que perdia as forças, mas queria prolongar aquele instante de êxtase para sempre. A surfista saltou por cima da minha crista, ao mesmo tempo em que me desfazia em espuma.

Já não era mais estruturada e forte. No entanto, continuava o meu caminho. Cada vez mais próxima, podia espreitar a areia por baixo de mim. A minha espuma branca foi ficando mais fraca até, finalmente, desfalecer na areia, inofensiva. Ainda assim, consegui molhar os pés de um menino que descobria o mar pela primeira vez.

Acabou por aqui o meu caminho. Nesta praia que me recebeu da melhor forma possível. Atrás de mim, muitas irmãs virão, nesse devir constante que é a vida. A vida das ondas não tem fim.

pamela-heckel-yQ9-lq5vnlY-unsplash.jpgImagem: Pamela Heckel / Unsplash

Desafio de escrita Passa-palavra da Mel e da Mula. Palavra da semana: água.