Amores impossíveis
A chuva caía incessantemente há semanas – ou seriam meses? A cidade vestia-se de cinza, os carros passavam silenciosos, deslizando na estrada molhada, as lojas recolhiam as bancas e desligavam a música, as pessoas andavam cabisbaixas e escondiam a palidez das faces dentro de golas altas e casacos pesados. Nos silêncios partilhados nos transportes públicos pairavam as memórias dos dias de sol que, naquele momento, pareciam uma miragem ou uma fotografia de uma qualquer publicidade inacessível.
Os parques esvaziavam-se de gente, de cães a correr e de crianças a brincar. As árvores despiam-se de folhas e os bancos permaneciam vazios, enquanto a relva ficava cada vez mais afogada pela água empapada.
Num canto de um banco, entre dois fortes carvalhos, uma menina chorava incessantemente há horas – ou seriam dias? Estava com um vestido verde sem mangas, desbotado pela chuva, e as suas lágrimas já nem se notavam em meio a tanta água.
Debaixo do seu guarda-chuva preto, o rapaz, que passeava pelo parque, avistou aquela frágil figura ao longe e foi sentar-se ao seu lado, agasalhando-a com o seu sobretudo castanho e tentando secar as suas lágrimas com o lenço que trazia no bolso da camisa, apertada até ao último botão.
- O que se passa contigo, menina? Porque estás aqui abandonada neste banco de jardim?
- Estou perdida. Fiquei sem rumo no meio desta chuva e deste céu sem cor. Preciso de uma brisa amena e de uma brecha de luz para encontrar o meu caminho.
- Pois, mas, neste momento, terás de esperar. Esta é altura de recolhimento e o pior ainda está por vir. Daqui a nada, tudo ficará coberto de branco e este vestido leve que trazes não será o suficiente para manter-te quente.
- Não nasci para isto! – exclamou a menina, revoltada com a situação.
- Nunca te disseram que para haver flores, é preciso haver chuva? Os momentos mais sombrios ensinam-nos a encontrar a luz que trazemos sempre dentro de nós – respondeu-lhe, calmamente, o rapaz sério.
A menina-primavera sentiu-se segura ao lado do rapaz-outono e bem mais quente dentro do seu sobretudo castanho. Seguiram, juntos, à procura de uma lareira e de uma chávena de chá fumegante para esperarem - ela impaciente e ele resignado - pela passagem do senhor-inverno.
O rapaz-outono sabia que era sempre assim. A menina-primavera nunca ficava. Ia sempre em direção ao sol, em busca daqueles breves instantes em que se cruzava com o menino-verão para, depois, perder-se no meio das copas frondosas das árvores. Até que as primeiras folhas começassem, uma vez mais, a cair e ela voltasse a sentar-se num qualquer banco de jardim.
Imagem: Pixabay
Texto escrito no âmbito do Desafio dos Pássaros.
Tema da semana: Não nasci para isto. Vejam aqui todos os textos deste desafio de escrita dos blogues do SAPO.