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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

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Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Desafio de Escrita dos Pássaros #2.3: Conversa de anjo

14.02.20 | Alice Barcellos

O rapaz estava sentado com tanta leveza que parecia equilibrar-se numa nuvem. Lia um livro atentamente. Por vezes, soprava um caracol mais rebelde que teimava em ir meter-se à frente dos olhos. Nem sentiu a chegada do amigo, que, de tão silencioso, parecia que vinha a voar.

- Olá, Dani! O que andas a ler? – perguntou o amigo, sentando-se ao seu lado.

- Salve, Rafa. Ainda não sabes? É a versão atualizada do manual que está ser distribuída.

- Já? Pensava que era só no meio do ano...

- Também eu, mas eles aproveitaram o facto de ser o mês de São Valentim. Hoje em dia, tudo é pretexto para o marketing...

- Está bem. E então, alguma novidade a assinalar?

- Sim! Para começar, voltaram a dar importância ao amor platónico. Lá em baixo, chamam agora de crush. Para entrarmos em ação, é preciso haver aquela ligação de almas, aquele brilho nos olhos. Bem sabes que isso de gostar de alguém tem muito mais a ver com o interior do que com o exterior.

- Faz sentido.

- Depois, temos de estar atentos a qualquer contacto físico não autorizado por alguma das partes e entrar logo em ação, protegendo a pessoa que foi desrespeitada e rezando para que ela desista daquela relação.

- Concordo, chega de abusos!

- De resto, chama a atenção para a redução de postos de trabalho na nossa área, uma vez que lá em baixo usam outras ferramentas para se aproximarem uns dos outros e passam cada vez mais tempo agarrados aos ecrãs, o que dificulta o nosso trabalho de campo.

- Pois...

- Podes ficar com o meu livro. Acho que já dei conta de me atualizar.

Daniel levantou-se da nuvem, enquanto deixava o livro pousado no colo de Rafael. Na capa cor-de-rosa podia ler-se em letras douradas: “Manual para iniciar relacionamentos para cupidos do século XXI”.

- Rafa, só mais uma coisa. Vamos deixar de atirar setas. É um objeto muito Idade Média. Vamos passar a atirar aviões de papel.

- Mas e o ambiente?

- Não te preocupes, é papel reciclado e podes aproveitar para escrever um poema de amor. Ajuda sempre.

- Já estás a inventar. Ainda és despromovido. Vê lá se não te cortam as asas.

- Não stresses, já apresentei esta ideia ao nosso querubim superior e ele adorou.

- Ah, é bom saber que os humanos ainda acreditam em poemas de amor.

- Sim, há coisas que nunca mudam e ainda bem.

Sanzio,_Raffaello_-_Putti_(Madonna_Sistina)_-_1512

Imagem: Detalhe da Sistine Madonna de Rafael

Texto escrito no âmbito do Desafio dos Pássaros.

Tema da semana: Manual para iniciar relacionamentos. Vejam aqui todos os textos deste desafio de escrita dos blogues do SAPO. 

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