Dia de nevoeiro
A cidade acordou pintada de cinza. O nevoeiro disfarçava a feiura dos prédios desordenados e a chuva miudinha, quase etérea, deixava as mulheres com os cabelos em pé e fazia com que as pessoas andassem com os olhos semicerrados. Era difícil encontrar alguém que não estivesse com a cara amarrada, quer fosse por causa do tempo, quer fosse por causa da vida, que não estava fácil. Nunca é fácil.
Quem andava a pé, apressava-se. Os autocarros passavam, pachorrentos, com as janelas a escorrer humidade e, entre o embaçado, rostos tristes olhavam cá para fora. Olhavam sem ver nada.
Até nos cafés sentia-se um silêncio velado como que a fazer funeral pelos dias de sol, estes dias de luz que deixam a existência mais leve. Só se ouvia o mastigar das torradas, o folhear do jornal. Os adultos enfiavam-se nos seus ecrãs e as crianças escolhiam brincadeiras de gestos curtos e poucas palavras.
Nas estradas, os carros circulavam num para-arranca desesperador e as filas de trânsito arrastavam-se por quilómetros.
Ele saiu. Parou o carro e vestiu o capuz. Foi pôr a roupa a lavar e a secar na lavandaria do bairro. Disse alguns "boa tarde" não correspondidos a desconhecidos, sorveu uma meia de leite num café sombrio, pagou contas.
Voltou para o carro. O nevoeiro crescia. Tudo era já quase branco, as coisas perdiam as suas formas para essa massa húmida e desforme que tudo contaminava.
Ele conduziu. Conduziu em busca de uma aberta. Queria ver melhor as coisas. Queria fugir daquilo. Queria respostas. Queria uma cura para aquele aperto no peito e para a sombra que todos os dias pesava o seu olhar. Conduziu e, pelo caminho, não viu ninguém, nada, até as árvores e os postes perderam os contornos.
A estrada acabou. Ele já pouco via, mas sentiu pela aderência dos pneus que o carro estava a tocar na areia. Saiu para este mundo branco de nevoeiro-chuva que, afinal, se revelava desconhecido. Era tristemente silencioso. Silêncio quebrado apenas pelo barulho das ondas. Pelo som, o mar estava calmo. Ao menos isso, pensou.
Estava só. Quando tudo é engolido pelo nevoeiro, a solidão mostra-se enorme.
A solidão dói mais em dias assim.
Foto: Jakub Kriz / Unsplash