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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

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Feliz ano velho novo

12.01.21 | Alice Barcellos

Era um daqueles fins de tarde de inverno em que o brilho do sol fazia estalar o ar limpo e frio. O mar estava excecionalmente calmo, uma piscina cuja borda era a linha do horizonte, tão reta e sempre longe. Enquanto o astro rei se preparava para mergulhar naquela piscina azul marinha, o rebuliço era grande pelos passadiços: corredores rápidos de olhar perdido, pais com crianças, cães a passear os donos, amigas que aproveitam a caminhada para conversar.

Sentado num daqueles bancos de madeira, desbotados pela maresia, o velho, de sobretudo cinzento e chapéu preto, passava despercebido entre tanto movimento. Chorava em silêncio enquanto observava o morrer de mais um dia.

A primeira semana do ano novo havia ficado para trás e já ninguém queria falar do ano passado. Aliás, era até considerado quase um insulto desejar feliz ano novo naquela altura, estava fora do prazo. Como se 365 dias fossem esquecidos em uma semana, quando sabemos que há datas que são feridas à espera do tempo para cicatrizá-las, quem sabe, fechá-las. Aquele ano seria para sempre uma cicatriz feia na história do mundo, mas era preciso seguir em frente. Correr até, se fosse possível, com olhar e pensamentos perdidos, ainda melhor.

O velho chorava e esperava não desaparecer tão rápido como os minutos fugazes de um pôr do sol. Queria perdurar também como aquele momento que, embora tão rápido, consegue ficar eternizado para sempre na memória.

Houve um jovem que reparou no velho e sentou-se ao seu lado. Era lindo e tinha no olhar o ímpeto do recomeço. Transpirado, apenas de t-shirt e calções brancos, parou a corrida para saber o que se passava com o velho. Afinal, nem todos os que correm estão perdidos.

Este contou-lhe que tinha medo de desaparecer sem ficar marcado na memória de ninguém. Como um ano velho que acaba e que é deitado fora entre as páginas do calendário desatualizado, como o jornal do dia anterior que serve para embrulhar peixe, como os vistosos papéis das prendas que são rasgados sem piedade, como tudo o que é rapidamente esquecido. Ele não queria terminar assim. E se as pessoas passassem a desejar também um feliz ano velho? Perguntou o jovem. Talvez fosse uma forma de continuar a lembrar daquilo que já passou. É bom olhar para o que passou e tentar retirar dali algo que não seja apagado pelo novo. O velho ensaiou um pequeno sorriso. Porque não começar a tentar?

Levantaram-se, ao mesmo tempo, o (ano) velho e o (ano) novo, enquanto caminhavam, lado a lado, iam desejando a quem passava: feliz ano velho novo. A bola laranja foi mergulhando no mar, o crepúsculo engoliu os contornos do dia. Os transeuntes desapareceram dos passadiços e, lá ao fundo, velho e novo confundiam-se na mesma silhueta. Afinal, tudo o que é velho foi novo e tudo o que é novo velho será.

sunset-600095_1920.jpgImagem: Pixabay

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