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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Mostra-me o teu melhor arco-íris

29.03.20 | Alice Barcellos

- Olá, como estás? Como tens passado por estes dias estranhos? Quais são os teus medos e as tuas angustias? O que queres fazer quando tudo isso acabar? Do que sentes mais falta? De quem sentes mais falta?

Queria fazer estas perguntas a todos os que estão a experienciar este momento complicado - dos meus colegas de profissão, que, como eu, estão a trabalhar incansavelmente para tentar informar da melhor maneira, aos profissionais de saúde, que combatem na linha da frente (e sofrem de uma forma que não conseguimos imaginar), às pessoas que têm de ir trabalhar todos os dias, mesmo não sendo de uma área essencial mas porque assim foram obrigadas pelos patrões e temem pelo seu futuro, às crianças em casa e aos idosos isolados. A quem quisesse responder, a quem precisasse responder.

Tenho tentado estar mais presente, mesmo estando longe. Tenho comunicado mais com os meus familiares que estão do outro lado do Atlântico, tenho trocado mais mensagens com amigos e colegas através das redes sociais.

Tenho sentido mais saudades. Pensei, muitas vezes, que por ter a família separada sentia saudades de um jeito diferente. De um jeito imenso. Com a imensidão de um oceano. Sempre julguei que esta era a pior forma de sentir saudades: ter a família a uma distância que se mede em encontros de uma vez por ano - ou duas. Julguei mal. A saudade não se mede. Ela está sempre presente, mas nem sempre se faz notar. É como o ar que respiramos. A única diferença é que respiramos todos da mesma forma, mas cada um pode sentir saudades à sua maneira. É muito complexo isso de ter saudades.

Vão-se contando pelos dias o tempo em que estamos confinados em casa a tentar combater um inimigo invisível que está a conseguir vencer tantas batalhas porque a sua força foi subestimada pelos seus adversários. É quase surreal pensar que no início de março escrevi um texto a perguntar quem tinha medo do coronavírus. Creio que neste momento não restam grandes dúvidas, todos temos. Todos à sua maneira, claro, como as saudades. Quem poderia imaginar que iríamos estar fechados em casa durante tempo indeterminado? Ninguém, até ter de o fazer.

Há quem continue a quebrar as regras, indo passear à beira-mar como se nada fosse, demonstrando, no mínimo, não ter nenhum sentido de responsabilidade e de cidadania. Aquela história de respeitar o próximo e de pensar que a minha liberdade acaba quando a do outro começa. Infelizmente, muitas pessoas cresceram sem estes valores e não é agora que os vão ganhar. Também não será depois "disso tudo" que o mundo vai se transformar num lugar melhor, com mais igualdade e harmonia entre todos. Que vamos acordar deste pesadelo em forma de pandemia e que tudo vai estar diferente.

O mundo vai continuar a girar e tudo vai voltar à normalidade. A engrenagem dos interesses económicos globais é muito pesada e não será uma pandemia que a vai fazer parar ou mudar de paradigma. O dinheiro faz mexer o mundo e vai continuar a fazer. No entanto, a mudança começa dentro de cada um e tenho a esperança de que esta crise possa fazer nascer algo de melhor em muita gente. Será que as próximas gerações vão ter a capacidade de mudar o mundo?

Mais vale ser otimista do que pessimista e esperar por dias melhores. Esperar. Ter esperança. É algo que também temos de reaprender neste período de calamidade. A esperança pode surgir de várias formas. E uma delas é através de um arco-íris. Algo tão efémero mas, ao mesmo tempo, tão intemporal. Que, quando avistado, provoca uma felicidade infantil e um sorriso quase involuntário. Não é à toa que o arco-íris se transformou no símbolo de resistência deste período de guerra.

É bonito ver os movimentos de solidariedade que se espalham pelas redes sociais e como as pessoas procuram unir-se em tempos de crise, mesmo que não se possam tocar. Afinal, é muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa.

No final da semana passada, lançamos um desafio no SAPO Viagens para as pessoas mostrarem-nos aquilo que viam das suas janelas. Como estamos tanto tempo em casa agora, porque não olhar com mais carinho para o que, tantas vezes, nos passa despercebido por ser algo que damos como adquirido, por ser algo que faz parte da rotina. Recebemos tantas fotografias e mensagens bonitas que nos encheram o coração. Entre elas, algumas imagens de arco-íris que fizeram a esperança entrar de rompante pelas janelas e, depois, pelos olhos dos que viram as imagens aqui partilhadas.

Durante a semana, também eu desenhei um arco-íris com a minha afilhada, agradecendo por ainda poder contactar com ela. Dei-lhe um abraço bem forte quando a vi. "Um abracinho não nos vai fazer mal, madrinha", ela disse. Não, um abraço nunca nos fará mal, mesmo que neste momento estejamos até a medir os abraços e a distância com a qual achamos que poderemos evitar contagiar ou ser contagiados.

Sabemos que não vamos ficar todos bem, mas queremos muito ficar bem. Depois da tempestade, o sol volta a brilhar, mesmo que já não seja para todos. Até lá, vamos continuar a acreditar no poder do arco-íris e a contar os abraços que vamos voltar a dar quando deixarmos de ter medo. 

- Olá, como estás? Como tens passado por estes dias estranhos? Quais são os teus medos e as tuas angustias? O que queres fazer quando tudo isso acabar? Do que sentes mais falta? De quem sentes mais falta? Mostra-me o teu melhor arco-íris

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Imagem: Mike Lewinski / Unsplash

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