Não dá para voltar atrás
Chegar até aqui e ver com os nossos próprios olhos o que é isto não se compara com tudo o que nos disseram. É quase como visitar aquele lugar que ouviste falar e viste imagens na internet milhares de vezes. Quando chegas lá e vês com os teus próprios olhos, tens sempre uma imagem diferente.
Não estamos preparados para nada nesta vida até passarmos, de facto, pelas coisas. Coisas que não são coisas. São experiências, sentimentos, ações, reações. É tudo o que se vai desenrolando neste novelo a que se chama existência. Vai-se desenrolando ao seu tempo. E como cada um é único, cada novelo tem o seu próprio ritmo.
Quando somos crianças, corre devagar, a linha é reta, não existem nós. Os dias são quase sempre de sol e as preocupações são poucas. Ouvimos dos adultos: "não percebes isso ainda pois és criança". E não percebemos, mas absorvemos. Guardamos tudo aqui, na colcha de retalhos que nos cobre o coração e que vamos costurando com o fio deste novelo irregular.
Quando somos adolescentes, os caminhos começam a ser mais sinuosos, altos e baixos, emaranhados e, mesmo quando vamos em linha reta, começamos a virar a cabeça e a ver os abismos que cercam o percurso. Caímos muitas vezes, já não andamos com os joelhos esfolados como antes, mas continuamos a cair e descobrimos que as quedas podem ser de várias maneiras e feitios. Ouvimos dizer: "quando fores adulta, vais acabar por me dar razão". E, na nossa revolta, não damos o braço a torcer, mas guardamos. Guardamos o cuidado e o carinho de quem sempre olhou por nós em mais um retalho atado à colcha.
Até que se chega ao ponto em que deixamos para trás estas fases tão bonitas da nossa vida e entramos naquele mundo que olhávamos ora com admiração, ora com incompreensão, ora com revolta. Ouvimos dizer: "já tens idade para ter juízo". E temos aquela sensação que, sim, já temos idade para muita coisa. Olhamos para trás e sentimos que muito pouco é como nos disseram e como esperávamos. Estamos melhor na arte de desatar nós e criar vínculos, temos medo de nos debruçar no abismo e a nossa colcha está bem composta. Quando temos o coração frio, vamos buscar aqueles retalhos das memórias mais felizes para nos aquecer. Quase sempre, resulta.
O fio não para de correr e continuamos a trilhar o nosso caminho, com mais dúvidas do que convicções. Aprendemos muito, desaprendemos outro tanto. Mudamos, sempre. Só levamos uma certeza: não dá para voltar atrás.
Imagem: Pixabay
Texto escrito no âmbito do Desafio dos Pássaros.
Tema da semana: Sobre a vida adulta: Ainda não entendi o que é para fazer. Vejam aqui todos os textos deste desafio de escrita dos blogues do SAPO.
Para os que estão a seguir os textos deste desafio e gostariam de participar, é possível fazer inscrições para a segunda edição através deste link.