Nas muralhas de Castelo Rodrigo: a paz e o silêncio de cada pôr do sol
Foi num dia de verão em setembro, depois de muitos mergulhos na linda praia fluvial de Vila Cova à Coelheira, que fizemos o caminho para Castelo Rodrigo. Quase vencidos pelo calor e pelas curvas e contracurvas da parte final do percurso, a encarar de frente o sol, cruzamos as muralhas e procuramos a entrada para o nosso poiso nos próximos dias.
Os tons ocre da aldeia, realçados pela luz dourada do sol, criavam um cenário impactante. O silêncio imperava e não nos cruzamos com ninguém até entrarmos na Casa da Cisterna que está integrada nas antigas construções de Castelo Rodrigo, sendo uma opção de alojamento bem interessante para quem quer ficar hospedado dentro das muralhas medievais desta aldeia que guarda séculos de história.
Para matar a sede e refrescar as ideias, fomos fazer um brinde no Cantinho Café. Um dos poucos estabelecimentos dentro das muralhas e que vale a pena conhecer, principalmente pela carta variada de cervejas artesanais. Para a mesa vieram uma Castelo Rodrigo blonde ale, uma bela homenagem à aldeia, e uma Beirã, produzida na aldeia de Belmonte, puro malte kosher, que também desceu muito bem, principalmente com a vista para o pôr do sol na serra da Marofa.
Mais tarde, durante o jantar, iríamos descobrir o bom vinho de Castelo de Rodrigo e algumas delícias gastronómicas nos restaurantes de Figueira. Se resolverem lá passar uns dias, recomendo os pratos do A Cerca e do Arco-Íris, dois restaurantes que nos surpreenderam pela positiva. Como lá estivemos no início do mês de setembro, reinava a calmaria pelas ruas da vila. No dia em que fomos jantar ao restaurante A Cerca, tivemos sorte pois era o último dia antes das férias do pessoal, descanso merecido depois do agitado mês de agosto.
Nos dias que se seguiram, aproveitamos para deambular pelas muralhas de Castelo Rodrigo - assistir ao pôr do sol do alto da aldeia, o que trazia sempre uma sensação única de paz e silêncio. Ir a banhos nas águas límpidas da praia fluvial de Rapoula do Coa - que recanto agradável. Trocar dois dedos de conversa com quem nos íamos cruzando pelo caminho - descobrimos a rivalidade saudável entre Castelo Rodrigo e Pinhel. Visitar a aldeia histórica de Almeida - a cena de um pastor com o seu rebanho de cabras mesmo à frente das muralhas ficará marcada para sempre. E dar um saltinho até Salamanca.
Para quem quer explorar o país vizinho, esta região é um bom ponto de partida, uma vez que bastam alguns quilómetros para cruzar a fronteira. Salamanca é uma cidade encantadora e obrigatória que me conquistou também por não ter hordas de turistas, como outras cidades espanholas, e por ser possível andar pelas suas ruas, apreciar os seus belos edifícios e praças sem aquela enchente habitual de outras paragens - que, confesso, já me começa a chatear enquanto viajante.
Castelo Rodrigo viveu durante muito tempo divida entre Portugal e Espanha. Conquistada e reconquistada, teve o seu brasão invertido como castigo real por ter sido a favor de Castela durante no Interregno de 1383-1385.
Do palácio no topo da colina, a que hoje já só restam ruínas, diz-se ter sido destruído na época da Restauração a seguir a uma revolta popular contra a posição tomada por Cristóvão de Moura durante a crise de sucessão de 1580.
Guerras e conflitos de interesses que aguçam a curiosidade aos amantes da História (como eu) e que nos fazem olhar para estes lugares com outros olhos.
Por si só, as ruas estreitas e desniveladas, as pequenas habitações em pedra, o poço-cisterna, as muralhas, a igreja matriz e o castelo são um convite à divagação de como era ali a vida noutros tempos. Mas, quando colocamos os "óculos da História", ficamos com vontade de saber mais: os pormenores, os meandros, as linhas dos acontecimentos que costuraram esta aldeia até aos dias de hoje. É assim que me sinto quando tenho a oportunidade de passar por estes lugares.
Fica-se com a sensação de que a aldeia está quase esquecida. Muitas casas estão fechadas. Vimos um ou dois moradores. Pensamos que se não fosse pelo turismo, Castelo Rodrigo estaria ao abandono. Mas, ao caminhar por ali, vemos pequenos cuidados que demonstram a alma do lugar: cortinas rendadas à janela, um telhado novo, tigelas com comida para os animais nas esquinas e um gato que nos encara com curiosidade, perfeitamente camuflado na paisagem.
Para descobrir a história mais recente da região, temos que descer a colina da aldeia e ir até à vila de Figueira de Castelo Rodrigo que foi roubando relevância à aldeia até se tornar sede do concelho no século XIX.
Hoje em dia, Figueira e Castelo Rodrigo complementam-se e ganham novo fôlego com o turismo em torno das aldeias históricas - e ainda bem. Temos sorte de poder conhecer lugares tão especiais, fazendo também a nossa parte de não os deixarmos esquecidos e contribuindo para que continuem a tecer novos fios de histórias no tempo.