Nunca escrevemos tanto e tão mal
A indignação é geral, a polémica está instalada. Uma marca de gelados cometeu um erro de português daqueles que faz doer a barriga e revirar os olhos. Apesar de todos nós escorregarmos, de vez em quando, na ortografia, a questão ganha outra dimensão quando aparece em cartazes publicitários e transforma-se em notícia. E parece que, qual vírus, o “te” que se separou do verbo e ganhou vida própria, já anda a fazer estragos em outras campanhas.
Coincidência ou não, o erro crasso cometido pela Olá surge na mesma semana da crónica publicada pelo deputado Duarte Marques, que também deu o que falar pelos piores motivos. Confesso que não fui a tempo de ler o texto sem edição. De acordo com vários relatos, aquilo era uma chuva de vírgulas que caíam nos piores locais. Ouvi até dizer que foram culpadas pela separação de sujeitos e predicados, que ficam tão bem juntinhos.
A epidemia das vírgulas e o vírus do “te” não são nenhuma novidade entre as calinadas ortográficas. A elas juntam-se outros males que castigam o nosso belo e complexo português. É a febre dos pontos de exclamação, que agora são usados em qualquer contexto, ou a tara de pôr certos verbos impessoais no plural, quando eles foram feitos para existir no singular. Pois é, basta puxar um pouco pela cabeça para encontrar maus exemplos que contaminam a nossa língua.
No meio disto tudo, escrevemos hoje mais do que nunca e, arrisco-me a dizer, damos cada vez menos importância ao que escrevemos e ao que lemos. Há uns anos atrás, as abreviações tomaram de assalto as mensagens dos telemóveis, trazendo com elas uma nova doença que contaminava com um xis quase todas as palavras. Nos dias que correm, a escrita ganhou uma nova dimensão nas nossas vidas com as redes sociais e com os smartphones. Quantas aplicações de chat tem instaladas no seu telemóvel? E quantas mensagens troca por dia? Com uma comunicação tão rápida e instantânea, fica difícil prestar atenção em cada palavra, vírgula ou ponto final.
O cuidado e a reflexão tão próprios de escrever numa imaculada folha branca de papel, onde errar é sinónimo de estragar a carta ou ter de escrever tudo de novo, foram substituídas pela pressa e pelo facilitismo dos corretores automáticos. Pensamos cada vez menos quando escrevemos, o que se traduz num empobrecimento do nosso vocabulário e numa banalização dos erros. Sinais dos tempos que acabam por extrapolar para cartazes publicitários e crónicas em jornais de referência. Sem generalizar, porque como é óbvio ainda temos quem escreva muito e muito bem, a nossa ortografia está doente.
A sorte é que para cada doença que contamina o português, há quase sempre uma cura eficaz. Às vezes imediata, outras vezes tardia. Mas não há doenças silenciosas, que passam despercebidas. Até porque toda a gente gosta de apontar um erro de português, mas ninguém gosta de assumir que também os comete.