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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

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Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

O adeus a um dos símbolos de Amesterdão. Faz sentido?

06.12.18 | Alice Barcellos

Foram removidas, esta semana, as letras vermelhas e brancas que se tornaram, ao longo da última década e meia, uma das atrações mais famosas de Amesterdão.

As letras que, em conjunto, formavam o slogan I Amsterdam já não fazem mais parte do enquadramento das fotos dos milhares de turistas que, todos os dias, se juntam na praça dos museus (Museumplein), um ponto de convergência da capital holandesa que liga os principais museus da cidade.

Prova de uma bem sucedida campanha de marketing de 2004, as letras eram uma das atrações mais famosas e acarinhadas da cidade. Mais do que as bicicletas, os canais, as casinhas apertadas e compridas, o mercado de flores ou os museus, ir a Amesterdão e não tirar uma foto junto à placa, era como ir a Roma e não ver o Papa.

Ao longo dos últimos anos, a imagem da cidade ficou intrinsecamente ligada a estas letras que poderiam até nem ter feito sucesso quando foram ali colocadas. Mas fizeram. E, provavelmente, um dos motivos que a isso levou é o facto de ser uma instalação que apela à forte interação com as pessoas. Também gostamos de descobrir os lugares com as mãos: tocar, escalar, brincar – algo que milhares de pessoas faziam todos os dias ali. Os mais afoitos escalavam até ao topo do “i”, outros limitavam-se a encostar-se ou sentar-se nas curvas das letras.

Apesar de continuar a ser um slogan da cidade, quem agora for a Amesterdão já não vai poder tirar a “foto de turista”, pelo menos, ali naquele local. As letras vão circular pela área metropolitana da capital dos Países Baixos, de acordo com informações do site do gabinete de turismo. Para os mais distraídos (como eu), saibam que existe uma outra placa I Amsterdam no Aeroporto de Schiphol – algo que muitos turistas não devem conseguir ver porque optam por chegar à Holanda através de outros aeroportos.

Não deixa de ser paradoxal que são os turistas, aqueles que mais adoravam as letras, os principais responsáveis pela remoção das mesmas. De acordo com o partido que apresentou a proposta para a retirada da placa, o GroenLinks, as letras transformaram-se num símbolo do turismo de massas em Amesterdão, representando um individualismo que deve ser combatido. Já no site oficial do turismo da cidade, a justificativa é que as letras atraíam muitas pessoas a um sítio com espaço limitado.

Com ou sem I Amsterdam, creio que os milhares de turistas que visitam diariamente a cidade vão continuar a convergir à Museumplein por ser um ponto de paragem e descanso óbvio, tal como o fazem na praça Dam. As letras davam um dinamismo diferente ao espaço, é verdade, mas não será pela ausência das mesmas que o número de pessoas que por ali passa vai diminuir.

Amesterdão é uma das capitais europeias que luta contra o excesso de turistas, já tendo tomado várias medidas para tentar equilibrar a balança do turismo com a qualidade de vida dos habitantes locais. Não é uma tarefa simples, bem sabemos, e requer uma estratégia mais complexa do que a fácil remoção de um dos símbolos mais adorados da cidade.

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P.S: Estive em Amesterdão pela segunda vez no mês passado e acabei na Museumplein ao fim da tarde a tirar selfies em frente à placa com o meu irmão, que visitava a cidade pela primeira vez. Não conseguíamos encontrar um espacinho livre de cabeças no meio das muitas outras pessoas que ali estavam, mas o ambiente era bom. De calor humano a contrastar com a tarde fria de Amesterdão, com uma luz bonita entre o sol a descer de um lado e o céu carregado de outro. É uma imagem singela, mas é a imagem que vou guardar deste lugar - pelo menos até ter a hipótese de regressar à cidade e criar novas memórias.