O retrato
"Sente-se aqui, minha filha". A menina sentava-se, tentando ficar quieta para o retrato, o que não era fácil quando se tem dez anos. Do outro lado, a avó, compenetrada, afiava o lápis de ponta macia que escorregava bem no papel. Depois, levantava o lápis no ar, na vertical e na horizontal, como que a medir o rosto da modelo. Ela já havia feito isso com as filhas e o filho, o marido e, agora, eram os netos os escolhidos para ficarem eternizados na precisão dos seus traços.
Alice não compreendia como a avó conseguia transpor tão perfeitamente o desenho do seu rosto para o papel. Os olhos pequenos e brilhantes, as bochechas salientes, os lábios carnudos, o cabelo desalinhado, o pequeno sinal a meio do lado esquerdo da face. Ela queria também aprender a desenhar como a avó, até chegou a fazer algumas das suas aulas de pintura. Esforçou-se, mas não progrediu, encontrou mais alento nas palavras. Afinal, com elas também é possível desenhar belos retratos e pintar quadros cheios de vida. E não há nada melhor do que as palavras para contar as memórias que nos marcam para sempre.
Saudades daquele tempo, avó.
Texto escrito no âmbito dos Desafios da Abelha. Veja aqui mais textos e desafios.
Imagem: Kelly Sikkema / Unsplash