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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Obrigada aos (meus) brasileiros

29.10.18 | Alice Barcellos

Já não há nada a fazer. O previsível aconteceu. Bolsonaro é o novo presidente do Brasil. Agora, só o tempo dirá se outras previsões estarão mais ou menos certas. Há um facto que podemos, no entanto, dar como garantido: não vai ser um presidente, em um mandato que vai conseguir acabar de vez com todos os problemas do país - corrupção e violência encabeçam a lista. Apesar de muito de se dizer que deus é brasileiro, os milagres não existem.

Não foi por milagre que Bolsonaro chegou onde chegou. Instabilidade política, escândalos de corrupção intermináveis, divisão da sociedade e insegurança foram a tempestade perfeita para ascensão de uma figura como esta. A manipulação de parte da população através das redes sociais ajudou e muito. Mas, infelizmente, houve uma outra parte que nem precisava de ser manipulada. É verdade, há um Brasil que estava a salivar por um candidato assim, que instituísse no seu discurso o que muitos pensam e fazem no seu dia-a-dia: racismo, misoginia, homofobia, preconceito e ódio. O Brasil das elites que vive numa bolha e quer continuar com os seus privilégios já não suportava mais um partido de esquerda no poder.

Mas não é só isso e é difícil resumir. Num país tão grande e diverso, houve mil e uma motivações na cabeça de milhares de pessoas para elegerem Bolsonaro. Mas houve também outros milhões que votaram contra e lutaram até ao fim por uma virada. E foi bonito de ver. Foi bonito de ver milhões de pessoas a lutar pela democracia, pelos direitos humanos, por um futuro melhor. No meio de um clima tenso, de medo, de pressões, de ataques e mortes, muita gente teve a coragem de remar contra a maré e assumir opiniões. Mesmo sabendo que poderiam levar porrada de um apoiante fanático de Bolsonaro nas ruas, mesmo sabendo que iriam cortar relações com a família ou amigos chegados. Muita gente não se calou, não teve medo. 

Viver em democracia também é isso. Não ter medo de assumir opiniões e formas de estar na vida. Viver em liberdade e respeitar a liberdade do outro. Conviver com quem pensa diferente e aceitar divergências. Muito já se lutou para que hoje pudéssemos viver assim, algo que parece tão simples foi "pago" com o sangue de tantos. 

A estas pessoas, o meu sincero agradecimento e reconhecimento. Não vamos sentir vergonha do Brasil, apesar de ser o primeiro pensamento que nos vem à cabeça depois do resultado destas eleições. Vamos sentir orgulho de quem lutou tanto pela democracia - algo que não se via há muitos anos neste e noutros países durante eleições. E não estou a falar de políticos ou candidatos em específico pois há muito que perdi a esperança nesta classe. Falo das pessoas, da sociedade civil, de quem foi para a rua, falou com os vizinhos, abdicou de cores políticas, fez campanha no Facebook e refletiu sobre o que realmente está em jogo. A democracia precisa mudar, precisa voltar a ser mais do povo e menos dos políticos e o caminho pode ser por aí.

Vamos tentar encontrar alguma esperança no meio do pessimismo, algum amor no meio do ódio e algum futuro no meio do retrocesso. Sei que não vai ser fácil mas não me lembro de quando a vida foi fácil para grande parte dos brasileiros. Por isso, a luta continua, desta vez, com um novo ânimo.

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P.S.: Aos que votaram em Bolsonaro com a ideia que "ele não vai fazer aquilo que diz", saibam que isso não é uma desculpa. Sei que muitos não entenderam a mensagem, que se levaram pelo fanatismo e foram movidos pela ignorância. Mas sei também que muitos outros votaram com plena consciência de que estavam a apoiar um político que defendeu a didatura militar, a tortura, o extermínio da oposição, o porte de armas, o fim de direitos sociais, a desigualdade entre géneros e raças, além de muitas outras barbaridades que circularam incansavelmente pelos nossos "feeds" nos últimos tempos. A estas pessoas, o meu lamento. Espero que consigam dormir bem, caso a situação vá pelo lado mais negro. Espero que, em breve, fiquem tão desiludidos com o vosso novo presidente como muitas pessoas ficaram com vocês.

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