Podíamos ser nós
Podíamos ser nós. Sempre que vejo aquelas fotografias clichés de grávidas penso nisso.
Quando vi os dois tracinhos no teste comecei a criar expectativas. É inevitável, como quase em tudo na vida. Vivemos a alimentar expectativas do que ainda não aconteceu. Quando é algo que nos deixa felizes, a felicidade ofusca-nos a visão e não cogitamos a hipótese de que nem tudo corre como imaginamos.
Podíamos ser nós a tirar aquela foto com as mãos na barriga grande, com aquela aura de amor que envolve os futuros pais, como se tudo fosse perfeito naquele instante de espera pelo maior milagre da vida. Mas não aconteceu.
Quando não encontrei o que esperava ver na ultrassonografia, as minhas expectativas desmoronaram, como um castelo de cartas que é levado pelo vento. O meu mundo caiu naquele dia, inundado por lágrimas que brotavam de forma involuntária, tal como tudo o que teve de sair.
A tristeza é sempre a última a ir embora. O tempo cura quase tudo e a natureza sabe o que faz. As lágrimas ainda regressam, às vezes, sem pedir licença. E, quando vejo aquelas fotografias bonitas de grávidas, penso: um dia, quem sabe, seremos nós.
Texto escrito no âmbito dos Desafios da Abelha. Veja aqui.
Imagem: Sasha Freemind / Unsplash
Nota da autora sobre este desafio
Fiquei a ponderar muito quando vi a imagem proposta no desafio. Se havia de resumir esta minha história em 200 palavras, se havia de contá-la assim, sem floreados, se queria partilhar este episódio com o “mundo”. Mas a ideia foi ganhando forma e resolvi escrever. A escrita é sempre uma mão amiga nos momentos mais difíceis. Quer seja a ler ou a escrever, as palavras são um conforto e um escape. Não sei se este texto vai chegar a mulheres que já passaram por um aborto espontâneo, mas, se chegar, saibam que não estão sozinhas e que a dor vai perdendo força quando é compartilhada.