Triste de quem é sempre feliz
Hoje é dia da felicidade, mas não me sinto feliz. Há dias assim. Há dias em que estamos mais calados, menos sorridentes, mais pensativos, menos motivados. Em que parece que temos uma nuvem de melancolia a tapar-nos a visão – uma nuvem nublada.
O motivo? Nenhum. Simplesmente acordei assim. Claro que, lá no fundo, há motivo, daqueles que Freud explica. Tal como há dias em que nos sentimos estupidamente felizes, sorrimos por nada, encantamo-nos com tudo. Pensamos só em coisas boas e parece que temos um raio de sol a iluminar-nos o caminho.
Independentemente dos motivos, há dias felizes e tristes, bons e maus, quentes, frios e mornos. Triste de quem é sempre feliz e triste de quem é também sempre triste. É preciso haver um equilíbrio. Um tempo para a felicidade sem motivo e para a tristeza melancólica.
Talvez tenha sido numa ocasião estupidamente feliz que decidiram instituir um dia da felicidade, que não faz sentido nenhum, mas que nos faz pensar sobre este estado de alma, pelo qual passamos a vida toda tentando alcançar.
E porque amanhã é dia da poesia (esse sim faz todo o sentido), fica aqui o poema que inspirou o título deste post:
O Quinto Império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Fernando Pessoa
Retirado daqui.