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Diário de fuga

Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

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Na rotina dos sonhos fugimos dos dias

Vale Sagrado: engenho e arte inca numa paisagem arrebatadora

22.05.19 | Alice Barcellos

Montanhas. É a grandiosidade das montanhas que envolvem o Vale Sagrado dos Incas, no Peru, que me impressionou. Percorrendo as suas estradas mais ou menos sinuosas, vamos sempre escoltadas por estes gigantes que nos lembram que estamos bem perto de uma das cadeias montanhosas mais importantes do mundo: a Cordilheira dos Andes. E também nos mostram como somos pequeninas perante a Mãe-Natureza, a Pacha Mama, a divindade máxima dos povos originários dos Andes centrais. 

pisac2.jpgAntes, bem antes de sabermos tudo o que julgamos saber nos dias de hoje, os povos originários da América do Sul sabiam viver em harmonia com a Natureza que era a fonte do seu sustento e das suas divindades. Quando percorremos os caminhos da antiga civilização inca, aprendemos que quase tudo aqui é sagrado: o vale, o rio, o sol e a terra. Mas nem tudo o que é sagrado é pacífico e foi também através do domínio de outros povos andinos que os incas conseguiram singrar e afirmar-se como uma das grandes civilizações pré-colombianas, até serem arrasados pela colonização espanhola. Mas o seu legado ainda hoje pode ser visto nesta região, culminando com a visita à cidadela de Machu Pichu

É verdade que depois de experienciar a cidadela perfeitamente integrada nas montanhas e na selva é difícil impressionar-se com outras coisas. Mas é possível. Há lugares no Vale Sagrado que nos deixam de queixo caído e a perguntar "como eles conseguiram fazer isso?", ao mesmo tempo que continuam a mostrar a força de uma cultura que não foi apagada por séculos de colonização. 

Pisac: das ruínas para o mercado

pisac3.jpgPisac é um destes lugares. Num dia de sol, que na altitude queima mais, o desenho perfeito dos terraços agrícolas sobressai de forma espetacular na paisagem. As ruínas da antiga cidade, com o seu Templo do Sol, revelam a vista privilegiada para todas as direções e ajudam a perceber porque é que os incas construíam as suas cidades nas alturas: para estar mais perto das suas divindades, para defenderem-se de ameaças e para controlar o seu território. 

Descemos das ruínas para a cidade construída no vale depois da dominação espanhola. No centro, há uma praça e uma igreja. Ainda fomos a tempo de apanhar a procissão de domingo de Páscoa, onde miúdos vestidos com capas coloridas sopravam com força grandes búzios, ao lado da imagem de Cristo, entre o fumo dos incensos. Uma mistura de tradições que nos chamou atenção.

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Hoje, a grande atração turística da cidade de Pisac é o mercado. Há muitas bancas de artesanato que enchem os olhos, mas a magia acontece no mercado de frescos, onde é possível observar o lado mais genuíno da região. Agricultores, velhos e jovens, juntam-se ali para vender os frutos do seu árduo trabalho. Há muita batata, não fosse aqui o local onde o cultivo deste tubérculo mais se desenvolveu, mas também há tomates, cenouras, rabanetes, favas, limões, cebolas e mais um tanto de alimentos da época à disposição de quem vai ali fazer as suas compras do dia e das câmaras fotográficas dos turistas - ávidas em registar os traços e as cores deste povo bonito. 

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Ollantaytambo: a resistente cidade inca

As ruínas de Ollantaytambo erguem-se com imponência, sustentadas por grandiosos blocos de granito que continuam a ser um exemplo de como os incas desenvolveram com perícia o transporte e o corte da pedra. Para chegar ao topo do sítio arqueológico é preciso subir bastante mas, mais uma vez, a vista que se tem compensa o esforço. Na montanha da frente, vemos construções intrigantes numa localização estratégica. Ficamos a saber que são as chamadas colcas, armazéns de alimentos que eram construídos em lugares altos, de difícil acesso para serem protegidos de saques, e arejados, o que ajudava na conservação dos grãos. 

ollantaytambo.jpgQuando da invasão espanhola, Ollantaytambo, mais ou menos a meio do caminho entre Cusco e Machu Picchu, ainda estava em construção. Foi um ponto da resistência inca e ficou inacabada - como nos mostram algumas partes das ruínas. Ainda assim, este é mais um sítio arqueológico impressionante para conhecer no Vale Sagrado.

O segredo das cores em Chinchero

Não são ruínas, nem belezas naturais, mas impressionam igualmente: as cores e as formas dos têxteis peruanos. São resultado de técnicas ancestrais de trabalhar a lã de alpaca e de ovelha que continuam a encantar os visitantes. 

Vestimos os casacos quando chegamos a Chinchero: o sol deixou de brilhar e os 3.700 metros de altitude fazem-se notar na pele. Pelo caminho tínhamos visto montanhas com os cumes nevados. Nesta pequena cidade, temos a oportunidade de conhecer alguns centros têxteis que fazem demonstrações aos turistas das técnicas que dão origem aos cachecóis, camisolas, capas, caminhos de mesa e muitos outros artigos que queremos levar para casa como souvenir. 

Do amarelo, ao azul, passando pelo forte vermelho, todas as cores são de fontes naturais, como as amarelas flores silvestres e um parasita que vive num cato, que quando esmagado liberta uma tinta vermelha. O sabão utilizado para lavar a lã vem de uma raiz que ao ser raspada e misturada com a água faz espuma. Nas mãos habilidosas de muitas mulheres, este saber-fazer é passado cuidadosamente de geração em geração, dando origem a um trabalho artesanal muito bonito e que pode durar meses só para elaborar uma peça.

cores.jpgE, depois de descobrir estes segredos, refletimos sobre a importância destas técnicas artesanais e não nos importamos de pagar um pouco mais por estes souvenirs que não são nada descartáveis como tantos outros que trazemos de outras viagens.

Encontrar a paz em Moray

Depois do frio de Chinchero, passamos para o silêncio de Moray. A 3.500 metros de altitude, entre as montanhas, esconde-se mais um tesouro inca que tivemos a sorte de conhecer.

Saímos do mini-bus, esticamos o corpo já moído dos dias de caminhadas e andamos calmamente, com o vento a soprar. Construções à volta, zero, só montanhas. Até que, poucos passos depois, estamos perante formações circulares que podem dar azo a muitas interpretações. Mas, para nós que já percorremos alguns pontos do Vale Sagrado, torna-se mais fácil chegar à explicação lógica de Moray e com a ajuda do nosso guia ficamos a perceber a finalidade do lugar. Se em Machu Picchu optamos por não comprar visita guiada, para explorar o Vale Sagrado recomendo integrar um grupo ou contratar um guia privado - as opções são muitas e pode deixar para escolher já em Cusco (que foi o que fizemos).

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moray2.jpgMoray foi um laboratório agrícola inca, utilizado para testar o cultivo de diferentes plantações de acordo com a altura de cada degrau. No ponto mais baixo, a temperatura pode ser dois a três graus mais alta. A forma circular dos terraços hipnotiza o olhar e, quer seja pelo silêncio ou pela envolvência das montanhas, este lugar traz uma paz inexplicável. 

Maras: o sal dos Andes

O nosso percurso pelo Vale Sagrado termina a provar o sal cor-de-rosa de Maras e a percorrer os caminhos estreitos destas salinas cravadas na encosta de uma montanha a 3.380 metros. A água salgada que nasce no interior da terra corre entre os 3 mil tanques e entre canais. Um cenário incrível de apreciar-se ao longe, pela totalidade do quadro, e ao perto, para captar os pormenores. 

maras.jpgAntes ou depois de conhecer as Salineras de Maras é praticamente obrigatório comprar um saquinho de sal dos Andes, mais um daqueles souvenirs que dão gosto levar para casa.

Por muitos souvernirs que se possa trazer de uma viagem pelo Peru, o mais marcante é, com certeza, aquele que não se compra mas se guarda para sempre através das memórias que vamos construindo em viagem. Tal como as ruínas incas que perduram fortes e imponentes entre as montanhas andinas, também as memórias deste lugar arriscam-se a conquistar um lugar cativo no meu relicário interior de momentos marcantes. 

Nota: percorri o Vale Sagrado em dois dias de passeios. Um dia para Pisac, Ollantaytambo e Chinchero. Outro dia para Moray e Maras, que também incluiu paragem em Chinchero. Aconselho a fazer os pontos principais em vários dias, uma vez que concentrar tudo num só dia pode ser bastante cansativo. 

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